Crédito da foto: Internet/Ilustração
Artigo compartilhado do site RADAR SERGIPE, de 18 de novembro de 2022
Por Marcos Melo
Hoje em dia somos todos fotógrafos! Amadores, claro. Digo todos, pois, com raríssimas exceções, temos uma câmera no celular que tira fotos de boa qualidade. A fotografia é, portanto, uma atividade prazerosa disseminada, popularizada, quando, há poucas décadas, era uma arte exclusiva de profissionais, que exerciam o ofício apetrechados das excelentes máquinas fotográficas alemãs e japonesas, aparelhagens acessórias e estúdios com câmeras escuras para a revelação dos filmes.
Tudo isso é coisa do passado. A Kodak, gigante mundial na produção de filmes, não acompanhou a evolução tecnológica do setor e entrou em processo falimentar, já que a era da revelação do negativo está no fim.
Sim, somos todos fotógrafos, mas sem o talento, as qualificações, os enquadramentos, a técnica e o foco de um Sebastião Salgado, Henry Cartier-Bresson, Lineu Lins de Carvalho, Walmir Almeida e Volfano Gaspar, apenas para citar estes.
Internacionalmente conhecido, o mineiro Sebastião Salgado rodou o mundo clicando suas mazelas, humanas e ambientais. Sua arte é um forte libelo contra os desníveis sociais. A sua famosa foto sobre a mineração do ouro em Serra Pelada recebeu várias premiações internacionais. É doutor honoris-causa pela Havard University (2021) e por universidades brasileiras. Já o francês Cartier-Bresson foi o fotógrafo da realeza e aristocracia europeias. Clicou em diversos países para as famosas revistas Life, Vogue e Harper’s Bazar. Fotografou os últimos dias de Gandhi.
Os sergipanos Lineu Carvalho e Walmir Almeida são os papas da moderna fotografia em nosso Estado. Ambos craques em captar o essencial, o ponto certo no momento certo. Pelas suas lentes, Aracaju recebeu um tratamento fotográfico de mestres. Tanto Lineu como Walmir sabiam tudo de fotografia aérea. A nossa capital nunca foi tão bem fotografada pelo ar e em movimento, como pelas suas objetivas.
Aliás, Walmir era piloto brevetado, com muitas horas de voo, o que facilitava seu trabalho. Já Lineu, embarcado nos helicópteros da Petrobras, fez inúmeras fotos a serviço da petroleira, em terra e mar. Aproveitava os voos para fazer imagens da cidade. São registros que mostram a evolução urbana de Aracaju, cujo acervo, cerca de 25 mil fotos, encontra-se na UNIT à disposição de estudiosos e historiadores.
Eles também registraram com suas câmeras acontecimentos sociais como casamentos, aniversários, festas tradicionais, inaugurações de empresas, de edifícios, de obras públicas etc. Walmir, além de fotografo era cinegrafista, e dos bons. Seu documentário sobre a seca, apresentado em Porto Alegre, impressionou o presidente João Goulart que o convidou para acompanhá-lo em uma viagem ao Chile e Uruguai. Fui seu cliente, mas de discos de jazz, que ele vendia em sua loja – Cine-foto Walmir – na Rua de Propriá, em frente ao icônico restaurante Cacique Chá.
Ainda menino, conheci o adolescente Lineu em Propriá, quando sua família foi morar na rua da Capela, onde eu residia. Isto em razão de seu Lins, pai de Lineu, ir gerenciar uma agência bancária na cidade, acho que do Banco Mercantil Sergipense ou do Banco Rezende Leite, não lembro qual. Lineu foi o primeiro fotógrafo sergipano a usar câmera digital, novidade à época. Era ligado em jazz. Fã de John Coltrane. Morávamos quase vizinhos, na Av. Acrísio Cruz, e trocávamos figurinhas em matéria de som e de jazz.
E o que dizer do propriaense Volfano Gaspar, o popular Faninho? Ele era mais que um fotógrafo. Fotografava e retocava a foto, em cores. Aliás, qualquer foto, de qualquer idade. O retoque era precisamente seu pulo-do-gato, sua especialidade. Isto com a precária tecnologia da época. Ele não chegou a conhecer as fotos shops digitais. Se as conhecesse daria um show de bola. Sua clientela eram os sertanejos, especialmente os prefeitos e vereadores que compravam sua incrível arte.
Às vezes havia reclamações de clientes mais exigentes: “E este sou eu mesmo?” Claro que é! Olhe bem! Apenas reduzi o tamanho das orelhas e coloquei um pouco de cabelos na calva para o distinto ficar mais bonito. “Mas eu não tenho os olhos azuis!” Consertei esse grave defeito de nascença com este belíssimo retrato, que irá dar outra vida a seu gabinete de trabalho. Aliás, se eu fosse o senhor encomendaria mais algumas cópias para presentear parentes e amigos.
Não é a toda hora que fazemos um serviço dessa qualidade. Foram três dias combinando as mais lindas cores para melhor realçar sua forte personalidade. Veja como suas novas feições estão inspirando mais confiança e respeitabilidade, além de ter remoçado pelo menos uns quinze anos. Com um retrato desses nas ruas e nos povoados ninguém perde uma eleição. E ali mesmo Faninho fazia novos clientes, principalmente os candidatos a vereador.
As mulheres, é claro, compunham expressiva fatia de sua clientela. Não bastasse o charme pessoal e a conversa fácil, ele as fazia mais jovens e mais bonitas. Morenas ficavam claras, brancas tornavam-se louras, negras eram tingidas por uma cor que as deixavam pubas. Houve casos milagrosos de estrábicas ficarem com a visão centralizada. Na verdade, Volfano Gaspar era uma espécie de Ivo Pitangui da fotografia. Enquanto o famoso cirurgião plástico retocava a/o paciente na carne, Faninho retocava a imagem, com resultados fantásticos, talvez melhores que o bisturi de Dr. Pitangui. Se se conhecessem, certamente teriam feito uma memorável parceria. Faninho planejando as incisões e Pitangui lancetando.
Antes de se tornar o fotógrafo do sertão, Faninho foi assistente de topógrafo na Comissão do Vale do São Francisco. Mas essa é outra história.
* Marcos Melo é Professor emérito da UFS e membro da ASL.
Texto e imagem reproduzidos do site: radarsergipe.com.br
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