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sábado, 14 de março de 2020

Artigo do fotógrafo Walter Firmo

Foto: Walter Firmo

Publicado originalmente no Facebook/Walter Firmo, em 12 de março de 2020

Walter Firmo

Quem ainda não leu um texto do jornalista Mino Carta, não consagrou a hóstia com a baba e saliva de sua boca, não bebeu de água limpa da fonte, não se deitou com a virgem de Guaxupé, aquela moçoila da rua que levava as estrelas rapazes incautos e de muito boa vontade.

Pois bem, o texto de Mino, certa vez, me fez chorar no metrô do Rio de Janeiro, entre as estações da Carioca e Cinelândia, quando relia a pedido meu, suas letras que testemunhavam um depoimento seu, em regozijo a introdução do catálogo que festejava a minha primeira exposição individual "Ensaio no Tempo", no Museu de Arte Moderna, que testemunharia meus 25 anos de fotografia.

Ele argumentava:"A arte, como se sabe, ou é ou não é.Tampouco há arte maior, ou menor. O Firmo é um dos mais íntegros e arrebatadores poetas brasileiros, escrevam, façam música, pintem ou fotografem tanto faz. (Infinitos são os caminhos da poesia). E acentuo, brasileiro. Não como limitação, mas como sinal de grandeza. Um poeta inglês, recomendava: Falem de sua aldeia.O cosmopolitismo é o desastre, por este caminho não se fazem nações. Bom e belo é expressar o nosso panorama de gente e coisas, terra, céu e sentimentos, e, por aí, afinar a consciência da nacionalidade, e aproximar-se das razões pelas quais nós somos do jeito que somos, e estamos aqui e não em outro canto. É possível ser tão brasileiro como o Firmo; mais eu creio ser impossível. E vejam como conta a sua aldeia, no ambiente, no gesto, no olhar das suas personagens. E bem abaixo da pele".

A morte, certamente, sempre nos comoverá, não pela incerteza mas por não sabê-la. Que caminhos depois da vida nos levarão aonde, como, qual deserto cheio de escuridão, frio ao fio de cabelo. Onde ficarão nossos sonhos agora congelados, envolvidos em, colossal inércia corporal agora desossado, quando ao pó voltarás. Inoxerável é a morte que nos espreita aonde estivermos, no campo, na praia ou numa casinha de sapê.

E, ao me depará com um homem do povo na sua simplicidade em ser, fagueiro, arauto de uma verdade consentida, lá ia ele, um fiel depositário, príncipe consorte a equilibrar sobre sua cabeça ---uma vez mais altaneira--- o fúnebre caixão, abrigo cadavérico talvez de um amigo seu, ou não. Uma cena por si só insólita, amalgamada no destino daquele homem que, de uma forma voluntariosa se empunha viril, sem destemor a equilibrar a morte sobre sua cabeça.

O palco de cena, a cidadezinha de Juazeiro do Norte, notabilizada nas procissões exaltadas a Padre Cícero, caminhava quase a esmo me identificando com o lugar, uma das minhas primeiras viagens por volta de 1970, quando descobrir que a saga Cristã nestes labirintos é delirante.

Um lugar de abrigo espiritual com pessoas que chegam de estados lonqínquos que mapeiam todo nordeste, de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais também. Missas campeiras, hóstias concebidas à luz meridiana solar, confissões com filas monumentais, um generoso palco ao fotógrafo que deseja o inusitado, o inconcebível, o metafísico.

Desde então, sempre tive nas ruas de Juazeiro o impactante sem hora marcada, o inusitado batendo-me as portas, aberta sem glamour porque não é preciso conviver com antagonismos. E a atenção redobrada em cada esquina, só lhe trará benefícios em participar e perpetuar cenas comoventes muitas vezes inacreditáveis.

E o "Zé do caixão"?

Hoje, me arrependo de não tê-lo conhecido mais de perto, porque embora o tenha seguido muitas quadras, o que eu almejava mesmo era alguma coisa que nem eu sabia, mas, que fizesse justiça e contraponto a morte, quem sabe a vida, talvez. Ou por outra, seguido seu passos até o final da encomenda macabra e assim conhecer o destinatário da caixa fúnebre, quem era o defunto, saber o seu nome, anos-luz, profissão, quantos filhos, clube de futebol, e seus prazeres terrenos. Ele jamais se apercebeu da minha invisível presença, pois, não desejava que ele me visse, pois aí, certamente, a imagem ficaria comprometida num alinhamento de conluio, permissividade absurda para mim naquele instante.

Quando de repente como num passe de mágica, eis que surge a vida, valorosa, exultante, perseguida, diante dos anseios das meninas diante da correria desenfreada e irresponsável, posto como diz Monica Botkay, uma dileta amiga minha e ex-aluna, "gracias a la vida!!!". E observem, na desabalada correria, exultante, vencedora, no sentido contrário da morte, como deve ser na eterna birra, figurino da vida e da morte.

Uma das meninas carrega uma flor.

E, assim, no absurdo dos segundos, ---enquanto o metrô se movia--- e,que são os primeiros a mexer no incontestável tempo, algumas lágrimas desciam pela minha face aturdida com o texto do amigo Mino. Subindo a escada rolante da estação Cinelândia, um filme me passava a cabeça na lembrança solerte do senhor inglês, que aludia aconselhando-nos a falar de nossa aldeia, pregando ainda que, o cosmopolitismo é um desastre e por esse caminho não se fazem nações.

A vida que o diga.

Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Walter Firmo

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