Foto: Walter Firmo
Walter Firmo
Quem ainda não leu um texto do jornalista Mino Carta, não
consagrou a hóstia com a baba e saliva de sua boca, não bebeu de água limpa da
fonte, não se deitou com a virgem de Guaxupé, aquela moçoila da rua que levava
as estrelas rapazes incautos e de muito boa vontade.
Pois bem, o texto de Mino, certa vez, me fez chorar no metrô
do Rio de Janeiro, entre as estações da Carioca e Cinelândia, quando relia a
pedido meu, suas letras que testemunhavam um depoimento seu, em regozijo a
introdução do catálogo que festejava a minha primeira exposição individual
"Ensaio no Tempo", no Museu de Arte Moderna, que testemunharia meus
25 anos de fotografia.
Ele argumentava:"A arte, como se sabe, ou é ou não
é.Tampouco há arte maior, ou menor. O Firmo é um dos mais íntegros e arrebatadores
poetas brasileiros, escrevam, façam música, pintem ou fotografem tanto faz.
(Infinitos são os caminhos da poesia). E acentuo, brasileiro. Não como
limitação, mas como sinal de grandeza. Um poeta inglês, recomendava: Falem de
sua aldeia.O cosmopolitismo é o desastre, por este caminho não se fazem nações.
Bom e belo é expressar o nosso panorama de gente e coisas, terra, céu e
sentimentos, e, por aí, afinar a consciência da nacionalidade, e aproximar-se
das razões pelas quais nós somos do jeito que somos, e estamos aqui e não em
outro canto. É possível ser tão brasileiro como o Firmo; mais eu creio ser
impossível. E vejam como conta a sua aldeia, no ambiente, no gesto, no olhar
das suas personagens. E bem abaixo da pele".
A morte, certamente, sempre nos comoverá, não pela incerteza
mas por não sabê-la. Que caminhos depois da vida nos levarão aonde, como, qual
deserto cheio de escuridão, frio ao fio de cabelo. Onde ficarão nossos sonhos
agora congelados, envolvidos em, colossal inércia corporal agora desossado,
quando ao pó voltarás. Inoxerável é a morte que nos espreita aonde estivermos,
no campo, na praia ou numa casinha de sapê.
E, ao me depará com um homem do povo na sua simplicidade em
ser, fagueiro, arauto de uma verdade consentida, lá ia ele, um fiel
depositário, príncipe consorte a equilibrar sobre sua cabeça ---uma vez mais
altaneira--- o fúnebre caixão, abrigo cadavérico talvez de um amigo seu, ou
não. Uma cena por si só insólita, amalgamada no destino daquele homem que, de
uma forma voluntariosa se empunha viril, sem destemor a equilibrar a morte
sobre sua cabeça.
O palco de cena, a cidadezinha de Juazeiro do Norte,
notabilizada nas procissões exaltadas a Padre Cícero, caminhava quase a esmo me
identificando com o lugar, uma das minhas primeiras viagens por volta de 1970,
quando descobrir que a saga Cristã nestes labirintos é delirante.
Um lugar de abrigo espiritual com pessoas que chegam de
estados lonqínquos que mapeiam todo nordeste, de São Paulo, Rio de Janeiro e
Minas Gerais também. Missas campeiras, hóstias concebidas à luz meridiana
solar, confissões com filas monumentais, um generoso palco ao fotógrafo que
deseja o inusitado, o inconcebível, o metafísico.
Desde então, sempre tive nas ruas de Juazeiro o impactante
sem hora marcada, o inusitado batendo-me as portas, aberta sem glamour porque
não é preciso conviver com antagonismos. E a atenção redobrada em cada esquina,
só lhe trará benefícios em participar e perpetuar cenas comoventes muitas vezes
inacreditáveis.
E o "Zé do caixão"?
Hoje, me arrependo de não tê-lo conhecido mais de perto,
porque embora o tenha seguido muitas quadras, o que eu almejava mesmo era
alguma coisa que nem eu sabia, mas, que fizesse justiça e contraponto a morte,
quem sabe a vida, talvez. Ou por outra, seguido seu passos até o final da
encomenda macabra e assim conhecer o destinatário da caixa fúnebre, quem era o defunto,
saber o seu nome, anos-luz, profissão, quantos filhos, clube de futebol, e seus
prazeres terrenos. Ele jamais se apercebeu da minha invisível presença, pois,
não desejava que ele me visse, pois aí, certamente, a imagem ficaria
comprometida num alinhamento de conluio, permissividade absurda para mim
naquele instante.
Quando de repente como num passe de mágica, eis que surge a
vida, valorosa, exultante, perseguida, diante dos anseios das meninas diante da
correria desenfreada e irresponsável, posto como diz Monica Botkay, uma dileta
amiga minha e ex-aluna, "gracias a la vida!!!". E observem, na
desabalada correria, exultante, vencedora, no sentido contrário da morte, como
deve ser na eterna birra, figurino da vida e da morte.
Uma das meninas carrega uma flor.
E, assim, no absurdo dos segundos, ---enquanto o metrô se
movia--- e,que são os primeiros a mexer no incontestável tempo, algumas
lágrimas desciam pela minha face aturdida com o texto do amigo Mino. Subindo a
escada rolante da estação Cinelândia, um filme me passava a cabeça na lembrança
solerte do senhor inglês, que aludia aconselhando-nos a falar de nossa aldeia,
pregando ainda que, o cosmopolitismo é um desastre e por esse caminho não se
fazem nações.
A vida que o diga.
Texto e imagem reproduzidos do Facebook/Walter Firmo
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